Estávamos nos retoques finais. Eu, Buddy e Roger começamos a nos encontrar com mais freqüência, para decidir o que faríamos em conta da nossa mudança para A Cidade. Eu gostava tanto de falar sobre aquilo, que chegava a ficar ansioso logo quando marcávamos um novo encontro. Era sempre na Cookies, a lanchonete que praticamente passamos a vida toda – aquela vida em que nós já éramos amigos – bebendo, comendo os salgados com cheddar ou apenas tomando um café.
Eu estava muito feliz naqueles dias. Não dependia de tanto cigarro, era apenas para não perder o hábito. A peça que eu e meu grupo de teatro havíamos apresentado tinha sido um sucesso, eu tinha ido bem nas provas finais, o Natal estava invadindo as praças e lojas, com suas cores e luzes – as mesmas que eu sonhara umas noites atrás.
E ele estava comigo. Não fisicamente, mas estava. Era um presente adiantado de Natal, que eu só ia ter em mãos nos próximos meses.
E isso me deixava muito feliz. Me dava forças pra continuar, era como ter um estímulo a mais para conseguir qualquer coisa que eu quisesse.
Eu estava diante de seus defeitos, dos seus medos e dos meus também. E mesmo assim, conseguia gostar disso.
Por vezes, ajustava minha vida para que algum defeito nosso não a tirasse da linha tênue entra a perfeição e o desastre, como se pingasse algumas gotas a mais numa solução em que qualquer excesso ou recesso levaria ao fracasso. Arriscava. A quantidade exata eu não saberia nunca. Apenas dava tudo que eu achava que era aceitável, às vezes com algum arrependimento imediato, mas sem receio algum.
Às vezes olhava para os lados, só para ter certeza de que ele não estava me seguindo, escondido entre as vitrines e as motocicletas estacionadas.
Encontrei Buddy e Roger. Eles estavam discutindo, como sempre, e sorrindo ao mesmo tempo. Era uma batalha de sorrisos. Eles conseguiam se amar mesmo quando brigavam. Devem ser iguais aqueles casais que brigam, tacam vasos um no outro e se espancam, para no final terminarem com um beijo entre murros e palavrões.
– Eu vou ter que agüentar isso todo dia, pelo visto, não?
Rimos a tarde toda. Tínhamos os três a mesma ambição, um sonho que não era dividido entre nós, e sim multiplicado ao triplo, guardado entre incertezas e possibilidades.
O universo de incertezas possíveis. Eu tinha um desses, guardado à parte. Faltava uma peça para completá-lo. Eu lembro dela, tinha o formato de peça de quebra cabeça. Era isso que eu buscava. Encontrá-la, para completar o meu pequeno mundo de grandes sonhos e de passeios à luz das dezesseis horas.
Eu sempre me empolgava falando de São Paulo e do nosso apartamento com uma parede verde. Mas de certa forma era difícil deixar tudo pra trás.
Aquela época do ano era uma fábrica de nostalgia. As pessoas ficavam mais alegres, de certa forma. Não nevava, como nos filmes que víamos sobre o Natal pela TV. Fazia um calor desgraçado, isso sim, mas não era algo tão ruim. Poucos podem ter um Natal ensolarado, um fim de ano cor laranja-de-sol-que-bate-nas-laterais-dos-prédios.
Passei pelas casas que tinham cheiro de guaraná barato, pelas ruas em que não se precisava ter medo de atravessar, pelas lojas em que todos se conheciam. Eu fazia isso sempre.
Eu odiei essa cidade por tanto tempo, para que no final eu percebesse o tanto de saudades que eu sentiria.
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